O olhar das síndromes raras: genética, perda visual e caminhos para o cuidado

É de extrema importância o diagnóstico precoce. Foto: Freepik.

Silenciosas e muitas vezes subdiagnosticadas, algumas doenças genéticas raras atacam dois sentidos fundamentais de uma só vez: a audição e a visão.

Síndromes como Usher, Alport, Stickler, Refsum e Waardenburg, apesar de distintas em suas origens e sintomas, compartilham um mesmo impacto profundo: o comprometimento multissensorial que afeta a autonomia e a qualidade de vida dos pacientes.

Diante desse cenário, é de extrema importância o diagnóstico precoce e uma abordagem multidisciplinar para garantir intervenções eficazes e um prognóstico mais favorável.

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A Síndrome de Usher ocorre por mutação genética e se caracteriza pela presença simultânea de Retinose Pigmentar e surdez neurossensorial (o paciente nasce com boa audição e progressivamente a perde). Sua incidência é de 3 em cada 100 mil pessoas e costuma se manifestar na adolescência ou no início da idade adulta. Seu primeiro sinal é a cegueira noturna seguida de perda de campo visual periférico.

A síndrome pode ser classificada em 3 subtipos segundo a gravidade da perda auditiva, presença ou ausência de problemas de equilíbrio e idade em que as alterações visuais se iniciam. Os sintomas podem ser atenuados por meio de diferentes abordagens considerando o tipo de Síndrome de Usher e o estágio em que se encontra. Podem ser indicados cirurgias, se houver problemas associados, como catarata e edema macular; uso de aparelhos auditivos, em casos de surdez parcial; fonoaudiologia; aprendizagem de linguagem de sinais e de braile; terapia ocupacional.

A síndrome de Alport afeta principalmente os rins, a audição e a visão. Causada por mutações nos genes responsáveis pela produção do colágeno tipo IV – proteína essencial na estrutura das membranas basais –, a doença compromete o funcionamento de tecidos sensíveis como os glomérulos renais, o ouvido interno e os olhos. No sistema ocular, uma das manifestações mais características é o lenticonus anterior, uma deformidade do cristalino que assume formato cônico e pode causar visão distorcida, miopia acentuada e astigmatismo irregular.

Os pacientes podem desenvolver catarata precoce e alterações retinianas, como a retinopatia perimetral, embora nem sempre essas mudanças levem à perda significativa da visão. O diagnóstico costuma ser clínico, com base na associação de sinais oftalmológicos, perda auditiva progressiva e disfunção renal, especialmente em pessoas com histórico familiar. A identificação precoce das alterações oculares é fundamental para o manejo adequado da doença e pode ser um indicativo importante na confirmação do diagnóstico.

Com origem genética, a síndrome de Stickler compromete a produção de colágeno, afetando articulações, audição e visão desde os primeiros anos de vida. Caracteriza-se por uma combinação de sinais clínicos como miopia grave, descolamento de retina, perda auditiva progressiva e alterações esqueléticas, como frouxidão articular e deformidades faciais sutis. Por se manifestar de forma ampla e variável, o diagnóstico muitas vezes é tardio ou subestimado, o que pode agravar complicações visuais e auditivas. Neste contexto, reforça-se a necessidade do acompanhamento multidisciplinar e do rastreamento precoce em crianças com histórico familiar, a fim de reduzir riscos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Outra doença hereditária rara é a síndrome de Refsum. Ela é causada pelo acúmulo de ácido fitânico no organismo, que ocorrepor causa por um defeito no metabolismo de ácidos graxos. Essa condição leva a uma série de manifestações neurológicas e sensoriais, incluindo perda progressiva da visão por retinose pigmentar e surdez neurossensorial. Outros sintomas comuns são ataxia, neuropatia periférica e alterações na pele. Por ser uma doença de progressão lenta, o diagnóstico muitas vezes é adiado, o que compromete o tratamento.

Quando identificada precocemente, a adoção de uma dieta restrita em fitano – um tipo de ácido graxo presente nos alimentos de origem animal – pode ajudar a retardar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

A identificação precoce é fundamental também na identificação da síndrome de Waardenburg que afeta a pigmentação da pele, dos cabelos e dos olhos, e também está frequentemente associada à surdez congênita. Entre as características mais marcantes estão olhos de cores diferentes (heterocromia), mecha branca de cabelo desde o nascimento e a implantação anormal dos olhos, mais afastados entre si.

A perda auditiva, geralmente neurossensorial e bilateral, pode variar de moderada a profunda. É fundamental salientar que existem diferentes tipos da síndrome, com manifestações clínicas distintas, e o diagnóstico é essencialmente clínico, baseado nos sinais físicos e na história familiar.

Dr. Aquiles Gontijo – Especialista em catarata e retina cirúrgica no Instituto de Olhos Minas Gerais

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