Pela primeira vez, uma brasileira com deficiência visual testou uma tecnologia canadense pioneira, apresentada no último Congresso Brasileiro de Oftalmologia, que devolve parte da visão e qualidade de vida durante seu uso. A artista plástica e atleta paralímpica Gilce Duarte Côrtes, portadora da síndrome de Usher – doença hereditária caracterizada pela deficiência auditiva e perda progressiva da visão devido à retinose pigmentar –, foi apresentada à segunda geração do “eSight 3”, um dispositivo que permite enxergar de perto e de longe por meio de uma câmera que exibe a imagem em duas telas de alta resolução diretamente em cada olho.
A tecnologia será disponibilizada no país com exclusividade pela empresa brasileira DryCom – Dry Eye Solutions e encontra-se em testes no IOMG – Instituto de Olhos Minas Gerais, que presta serviço de consultoria. Nosso objetivo é avaliar o equipamento explorando a fundo suas possibilidades por meio de numerosos testes. Precisamos entender bem para quem ele pode ser eficaz. Sabemos que não funciona para ausência total de visão e não é, de forma alguma, a cura para a cegueira, mas tem a capacidade de amplificar a pouca visão remanescente que possa existir facilitando a leitura de legendas na TV, por exemplo.
Gilce tem 5% da visão e ao usar o equipamento, conseguiu descrever objetos e pessoas e caminhar sem sua bengala. As imagens são reproduzidas com nitidez ao usuário de baixa visão graças a uma combinação patenteada de câmera de última geração, lentes líquidas e display de alta definição alimentados por algoritmos inteligentes. Com isso, os olhos enviam mais dados para o cérebro para maximizar uma visão funcional. Os óculos contam com recursos que permitem movê-los para cima e para baixo para alternar o campo de visão, Wi-Fi, Bluetooth, alto-falantes e são conectados a um controle remoto para ajustar contraste, brilho e zoom e alternar os modos de leitura.
O dispositivo é indicado para até 20 doenças oculares que causam problemas como perda da visão central, visão turva e pontos cegos, entre elas, retinose pigmentar, múltiplas cicatrizes da retina, a retinopatia diabética etc.
O aparelho tem aprovação da FDA – autoridade sanitária dos Estados Unidos – e a chancela de seis instituições mundiais líderes em baixa visão. Os resultados da sua eficácia foram publicados na revista médica Optometry and Vision Science.
Quem sofre de baixa visão sabe o quanto é desafiador tentar enxergar detalhes, como traços, linhas, contrastes, cores, que acabam limitando suas atividades de rotina. Essa tecnologia é uma conquista significativa para milhares de pessoas no mundo portadoras de doenças, muitas delas progressivas, que ainda não têm cura, como a retinose pigmentar.
Há uma associação entre a síndrome de Usher e a retinose pigmentar (RP): ambas ocorrem por uma mutação genética, sendo transmitidas de pais para filhos. Estima-se que entre 6% e 10% dos pacientes com RP têm a síndrome de Usher, que costuma se manifestar na adolescência ou no início da idade adulta, e consiste na perda auditiva, cegueira noturna, perda da visão periférica ou em ambiente com pouca luz, de forma progressiva e irreversível.
A retinose pigmentar é causada pela degeneração dos fotorreceptores da retina que não conseguem captar a luz de forma adequada, transmiti-la ao cérebro pelo nervo ótico, impedindo a formação adequada da imagem. Embora não exista uma cura definitiva, pesquisas genéticas estão sendo feitas e têm avançado. Para casos de RP com mutações no gene RPE65, foi aprovado no ano ado no Brasil o medicamento voretigene nevarpoveque (Luxturna) que impede o avanço da doença.